terça-feira, 27 de abril de 2010

Tico e Teca

Eles eram contemporâneos. Habitavam a mesma metrópole. Não tinham estudado juntos e tampouco trabalhavam no mesmo ramo. Porém, muito provavelmente, já haviam pisado nas mesmas calçadas e, quem sabe, utilizado os mesmos lugares nos cinemas, bares, restaurantes, Até os talheres poderiam ter sido já compartilhados, nestes locais públicos, sem a ciência de nenhum dos dois. Existia, isso com certeza, uma sintonia e uma expectativa quanto à chegada de alguém. Uma vaga noção de semelhanças e um receio de perder a identidade tendo de se entregar.

Um dia, que era um dia comum como tantos outros, se encontraram no super-mercado enquanto faziam compras para casa. Nada de mais, todos os dias muitas pessoas vão ao super-mercado para abastecer seus lares, não fosse o fato de terem deparado, um com o outro, no balcão de compras a granel. Um ao lado do outro, duas mocinhas atendendo no balcão e ambos, simultaneamente pediram: 100 gramas de nozes!

Foi fatal. Neste momento se entreolharam e compreenderam que havia chegado a hora "h". Nunca mais a vida seria igual. Renderam-se à prescrição do destino e assumiram: eram, ali, o Tico e a Teca, enternecidos com a revelação e a presença de um e de outro. Sabiam que a partir de agora funcionariam melhor. Quebrariam muitas nozes juntos e brincariam na relva nas horas de folga. Buscariam o aconchego para as noites de frio, possivelmente pensariam em esquilinhos para o futuro e tomariam algumas cervejas por enquanto.

Quando entraram no super-mercado estavam perdidos no espaço. Perdidos no espaço e no tempo. Só ouviam aquele bordão que dizia: Não tem registro! Não tem registro! Estavam condicionados pelo sistema e assustados com os programas robóticos já vividos. Só sabiam que precisavam nozes e aguardavam alguém.

Se encontraram no super, compraram suas nozes e passaram, naturalmente, pela caixa registradora.

100 gramas de nozes, 100% vivos, noves fora = ficou bom!

Atualmente tive notícias de que estão bem, mas não sei dizer até quando estarão assim. Sempre é um tempo que nunca se sabe...

sábado, 17 de abril de 2010

AUTOPSICOGRAFIA

O POETA é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.

Fernando Pessoa

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Vida

Todos nós moramos numa casa bem grande e redonda. Esta casa é o nosso planeta Terra. É como uma nave na qual viajamos pelo espaço, iluminados pelo sol, acompanhados pela lua e por muitas estrelas. A Terra vista de longe é azul. O céu também é azul. A Terra vista de pertinho tem muitas cores: a cor da própria terra, o verde das montanhas, florestas e árvores, o colorido das flores e frutas, o arco-íris que tem sete cores e muito mais. Aqui também tem muita água! O mar, os rios, os lagos e lagoas, as cachoeiras e a chuva que cai do céu. Aqui também moram muitos animais! Na terra, na água e no ar. Pássaros que voam e cantam, borboletas e cigarras, abelhas que fazem mel, milhões de espécies. Tudo isto é muito lindo! Inúmeras formas de vida. É muito bom morar aqui. É muito bom ser "ser-humano". Vamos ser "bem humanos". Vamos cuidar da nossa saúde, vamos cuidar da nossa casa e de nossos companheiros de viagem. Vamos celebrar a vida! Cantando, dançando, brincando, aprendendo, trabalhando, crescendo, vivendo felizes! Em paz! Com amor!

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Tequinha


Amigos Invisíveis

Esse monte de papéis sobre o bureau, tanta coisa que eu escrevi, foi pra mim?, foi pra ti? pra quem foi afinal?

Buscas, sonhos, afagos. A solidão, fantasias infantis. Planos, expectativas, vontade de brincar. Insólitos encontros, desabafos. Desilusões, decepções, desagradáveis desencontros, confusões.

Estamos entre o céu e a terra, entre o fato e a fantasia. Somos tão leves, frágeis, queremos tudo de bom. Mas às vezes a vida é dura, injusta, muito diferente do que poderia e deveria ser. Então nos sentimos sós, desolados, incompreendidos, singulares nesta multidão, distantes demais do que chamam de real, distantes demais um do outro.

Eu vou até a sacada, debruço no muro e olho pra rua lá fora. Quantas casas e pessoas diferentes, diferentes situações. E o céu lá em cima, etéreo, infinito, completo, único.

As pessoas vão pro céu quando morrem? Será que elas vem do céu quando nascem?

Quando o céu está azul fica tudo mais bonito. Quando o céu está cinzento agrava nossa tristeza, nossa incerteza. Bucólicos momentos.

É perfeito ou imperfeito? É bonito ou feio? É tudo isso junto!

O céu abriga a todos nós nos unindo cosmicamente. E é assim... Navegamos no mesmo barco, iluminados pelo mesmo sol e temos como imprescindível à vida o invisível ar pra respirar.

Mesmo que nem todos saibam não existimos isoladamente. Estamos vinculados compartilhando a vida e o que há de essencial que independe de tempo, lugar ou condição.

O que nos torna amigos é a consciência, afinidades. Existe entre nós uma comunhão de idéias, percepções e aspirações.

É muito bom não ter perdido o fio da meada e sempre ter observado quando a história estava mal contada.

sábado, 3 de abril de 2010

Filipe e Teca


Os sentidos da infância

No meu sonho todos os dias eram claros e azuis, todos os campos eram verdes e macios. Havia uma paz e uma harmonia impossível de descrever. Mistura de delícia com preguiça. Tudo estava bem e às vezes fazíamos piqueniques.

Se ouvia uma porção de sons peculiares ao lugar, sons oriundos das formas de vida do lugar. Mas por trás de tudo, um silêncio profundo. O som do mundo. O mundo original.

Os cheiros eram diversos: grama molhada, palheiro, esterco, zurrilho, jasmim, bergamota, alfazema etc. Eu adorava todos eles. Todos eles eram bons.

O gosto... De leite quente, biscoito, doce de leite, pitanga. O gosto de se saber que tudo que ali se tinha, dali mesmo provinha.

Muita coisa acontecendo sempre, mas nada alterando a essência de tudo. Como se fosse um jogo, com cada peça em seu exato lugar. Tudo tinha o direito de ser e tudo era como tinha que ser, quente e fresco ao mesmo tempo.

Tinha uma bola de fogo que era a origem de tudo. Tinha céu e ar, tinha terra e água. A noite era pontilhada de estrelas que junto com a lua faziam lindos desenhos enfeitando o cenário e comandando a cerimônia.

Tinha muitas plantas, horta, pomar e jardim. E muitos animais, pássaros, cavalos, cachorros, filhotinhos, o gado, as ovelhas, as aves do galinheiro, patinhos nadando no lago.

Tinha muitas pessoas: crianças e velhos, adultos e jovens, tudo funcionando bem, pronto, completo. Uma gloriosa celebração. Uma gostosa brincadeira.

Tudo se passou num momento, mas me pareceu a eternidade. Me fez sentir a alma da vida, me fez conhecer a perfeição e beleza, simplicidade e magnitude, a magia e os mistérios do universo.

E vi que meu sonho não era apenas um sonho, mas, também, as lembranças da infância.