sábado, 4 de setembro de 2010

Mais uma História de Funeral

Não tinha ninguém no mundo. Vivia a toa e sozinho. Rondava os cemitérios da cidade, todos concentrados no mesmo bairro, o que, de certa forma, facilitava sua tour. Acompanhava o movimento dos funerais. Alguns velórios lotados, outros com pouca gente em volta do morto. Gostava de assistir aos cortejos e de longe observava as diferentes manifestações. Já tinha construído uma espécie de conhecimento sobre o assunto. Sabia identificar quando o morto era alguém importante ou muito querido e quando, mesmo com a presença de uma multidão, tudo não passava de encenação para cumprir formalidades obrigatórias. Principalmente nestas ocasiões, de muita balbúrdia, se alegrava quando o cerimonial se encerrava e o cemitério voltava à quietude habitual. Conhecia, melhor que os coveiros e os guardas, os túmulos, as galerias, os mausoléus, as imagens e estátuas que compunham o cenário de cada um dos cemitérios por onde circulava. Adorava os anjos e os nomes, as flores que demonstravam, no seu entender, uma continuação da vida, os epitáfios, que diziam algo sobre como havia sido a vida. Das fotos nas lápides não gostava muito, a menos que a pessoa tivesse sido muito especial, não necessariamente bonita, mas especial. Procurava naquele território alguma possibilidade de vir a saber quem eram os seus. Como havia se criado num orfanato e durante toda a vida só tinha feito rolar por aí, agora, já velho, procurava entre os mortos a sua história, que poderia ser a que ele quisesse, a que ele fosse capaz de imaginar a cada dia. Acho que ele gostava tanto de andar assim, rondando a morte, na tentativa de preparar por lá um lugar para si, já que em vida não havia encontrado.

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