sábado, 4 de setembro de 2010

Histórias de Funerais

...homem pequeno e encurtado mais ainda pela morte, sumido num caixão grande demais, entre quatro velas e com um punhado de flores amarelas sobre o peito. Mulheres sentadas em cadeiras e bancos pelas laterais do ataúde, rezando ou simplesmente estando. Homens aqui e ali, falando mil coisas, mas sempre com vozes opacas, refreadas.

A vassoura da Bruxa

Mario Arregui



Detestava funerais. Pensava que os laços com o morto, já que estava morto, não mais podiam ser vividos na expressão real da vida e, sendo assim, não fazia sentido ficar num funeral. Depois, lembrava que, apesar do morto estar morto, a cerimônia representava uma despedida simbólica, uma forma de demonstrar carinho ou, pelo menos, consideração, não apenas para com o morto, mas também com seus familiares e amigos que por lá estivessem. Então, como é costume à maioria dos mortais civilizados, quando morria alguém de suas relações, ía ao funeral, mas, curiosamente, só permanecia durante o velório. Cumpria religiosamente as formalidades, orando pelo morto, cumprimentando e dizendo palavras de apoio às pessoas ligadas ao morto, chorando discretamente, dependendo de quem fosse o morto. Em seguida, à medida que aproximava-se a hora do enterro, saía à francesa. Essa atitude lhe trazia uma ilusão de alívio, proporcionava uma prorrogação da dor maior. Até porque era certo que quando fosse embora entraria no primeiro boteco para beber umas que outras e só voltaria a ter notícias daquele morto, o morto daquele dia, daquele velório, quando reencontrasse os conhecidos que, invariavelmente, comentariam sobre o sepultamento e dedicariam boas horas para recordar mais aquele amigo que havia embarcado nesta viagem, última, sem volta.

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Quando ele morreu, a comoção na cidade foi geral. Ela, atordoada, não sabia o que fazer. Caminhou de um lado para o outro da casa. Perdida. Sozinha. Chorou, foi para o banho, colocou a melhor roupa que tinha e dirigiu-se ao cemitério onde o corpo dele estava sendo velado. Só conseguiu chegar no final do velório e, em função da multidão presente, precisou se espremer no meio de tanta gente estranha, tendo que se espichar para conseguir enxergar o rosto dele, que parecia tranquilo. Até muito tranquilo para um morto tão popular como ele. Em seguida, colocaram a tampa no caixão e foi dado início ao cortejo que conduziu o corpo até o túmulo. Ela acompanhou todo o ritual do sepultamento, até o último instante. Não ouviu nenhum ruído, nem o choro dos cristãos, nem o que o padre havia dito, nem os gritos e soluços dos mais descontrolados. Ela estava lá, mas numa outra dimensão. Estava ouvindo uma canção orquestrada por sopros e, ao contrário do que se poderia imaginar, deixou o cemitério muito mais leve e feliz. Caminhou sem rumo pela cidade até resolver voltar para casa. Seus passos pesavam menos. Naquela noite comemorou sua liberdade e desfez-se de tudo que pudesse lembrar aquele que por tanto tempo havia prendido sua atenção e seu amor, em vão. Agora ele estava morto. Agora não restava mais nenhuma dúvida de que ele não existia e não viria jamais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário