sábado, 11 de setembro de 2010

A chuva

Num dia como hoje, por exemplo, a chuva cai, diz coisas sonolentas, coisas tristes, num ar vagamente sonâmbulo de quem já não sofre, num ar morno de suprema lassidão, de suprema renúncia, como quem se resigna a todas as misérias, como quem se resigna a todas as covardias.

Parece que a chuva diz rezas, rezas frias, murmuradas por lábios frios num frio claustro de convento.

Parece que a chuva fria fala num delírio incessante, febrilmente vago, num salmear inconsciente, como quem vai morrer. Eu não sei se você tem sentido a nostalgia destes dias assim, mas eles evocam em mim a tragédia das almas que se calam, das que já não se queixam, das almas galvanizadas na angustiosa tormenta de impossíveis sonhados um dia e nunca realizados.

Quando nesses dias eu olho as planícies vastas, tenho medo de ver, insensivelmente, o meu olhar transformar-se no olhar espectralmente parado das estátuas. Então agito-me, sacudo-me, falo alto, canto como as crianças que têm medo das sombras imóveis das árvores numa estrada deserta. Tudo é grande, tudo parece fugir, fugir sempre ao longe, como aqueles fantásticos castelos de brumas, onde ninguém chegava nunca - a chuva continua a dizer sempre a mesma coisa, a embalar o tempo que adormeceu agora...

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