sábado, 27 de fevereiro de 2010

Palavras

Eu poderia ter escolhido falar ou calar. E, tendo escolhido falar, eu poderia ter me fixado nos horrores. Claro. É mais fácil falar sobre o que existe em maior profusão. Mas que graça teria ficar chovendo no molhado? Por que não falar em amor? Por que não falar de amor? Por que não falar com muito amor justamente aonde falta tanto amor? Acredite você ou não, meu coração, apesar dos horrores, meu coração é pleno de amor. E, entre essa plenitude de amor que transborda em meu coração, eu amo as palavras! As palavras que me permitem ancorar meu pensamento, meu sentimento e meu desejo também. Meu desejo de escrever. Meu desejo de escrever palavras. Muitas palavras. E muitas palavras que falem de amor. Palavras de amor. Palavras que digam. Porque sim. Porque não. Palavras que tentem nos ajudar a entender a confusão. Por que sim? Por que não? Palavra que tudo que eu fiz foi de coração! Porque sim. Ou não. Porque sim, o não. Por causa de muitas palavras que nos aprisionaram. Porque não foi possível. Porque não houve condição. E, então, fomos atrás de outras palavras que já nos libertaram. E continuamos sempre buscando, mais e mais, as palavras que ainda nos libertarão. Palavras que nos auxiliem a compreender. Por que não foi possível? Por que não houve condição? Por que, durante tanto tempo, durante quase a vida inteira, essa mania de se ater apenas à decoração? Acabamos encontrando as palavras que não encontram explicação para comportamentos simultâneos de indiferença e perseguição. Nos compadecemos das palavras que sofreram o abandono e o esquecimento porque não encontraram compreensão. Todas as palavras que se perderam no tempo porque não acharam um tempo certo para a audição. Palavras que apenas procuravam um lugar de aceitação e ficaram perdidas por não terem sido bem recebidas. Palavras que foram distorcidas e que agora clamam por palavras de reparação, que possam curar feridas causadas por palavras que, uma vez ditas, já machucaram com a força da agressão. Essas palavras que, mesmo sem ser, se tornam uma espécie de palavrão. Elas nos obrigam a procurar palavras que ajudem a superar tudo o que já aconteceu de errado e todas as muitas manifestações de rejeição. Precisamos de palavras que possam dar vazão. Que permitam mais clareza à visão. Que revelem tudo de bom que pode estar contido numa nova escolha, numa outra opção. Palavras que impulsionem à mudança de condição. Não deixam de ser palavras nascidas como reação. Palavras que anseiam construir agora a mais correta ação. Desejam encontrar sua verdadeira direção. Palavras que sejam ouvidas e lidas. Que sejam queridas! Estas palavras que carregam com elas a vida!

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Paulo

Paulo era um cara muito numa boa. Curtia a vida com sabedoria. Tinha seus amigos do peito, administrava bem seu restaurante e morava confortavelmente em sua casa, na beira da praia. Gostava de tomar banho de mar quando tinha horas de folga e o tempo estava favorável. Também gostava de se reunir com seus amigos para escutarem música ou tocarem eles próprios. Paulo tocava violão. E tocava bem. Mas o que Paulo mais gostava de fazer era subir no morrinho, ao anoitecer, e sentar-se para ficar escutando o som do mar enquanto contemplava o céu. Como a praia era pequena, o céu geralmente estava limpo e repleto de estrelas. Paulo dizia que eram incontáveis, infinitas estrelas, e se sentia pequeno diante dessas belezas do universo. Pensar assim era reconfortante e fazia com que ele valorizasse cada pequeno detalhe de sua vida. Ele sabia identificar algumas estrelas, alguns planetas e constelações. E brincava de ver desenhos nas estrelas. Até que, lá pelas tantas, lembrava de Lídia e batia uma tristeza. Na verdade, desde quando ele começava a se encaminhar para o morrinho, já sabia que levava Lídia com ele, na memória. Ela estava sempre presente, por mais que ele tentasse esquecer. E tudo o que ele fazia, já tinha sido feito junto com ela, no passado.

Paulo e Lídia eram casados e viviam juntos e muito bem. Se gostavam muito e compartilhavam tudo, a casa na beira da praia, o trabalho no restaurante, os banhos de mar, as rodas de som, as idas ao morrinho para escutar o mar e olhar o céu. Eram felizes e usufruiam de harmonia em suas vidas. Até o dia em que Lídia conheceu um cliente, um turista, e foi conquistada pelo seu olhar. O cliente foi lá um dia, mais outro e mais outro, e Lídia acabou saindo com ele. Sairam, se conheceram, ficaram muito atraídos um pelo outro, e Lidia decidiu terminar com Paulo para ficar livre e partir com seu turista. Foi assim que a relação de Paulo e Lídia acabou. Ela foi embora com o novo namorado e ele ficou sozinho, abandonado. Paulo sofria e sentia falta de Lídia.

Os amigos faziam de tudo para contemporizar a tristeza de Paulo e o estimulavam a se desapegar do passado e abrir o coração para um novo amor. Mas Paulo se sentia inseguro, tinha medo de se entregar a um novo amor e passar novamente pela experiência ruim de ser trocado por outro, de ser abandonado. Preferia ficar sozinho, tocando sua vida na paz, sem correr riscos. Mesmo que admitisse sentir falta de companhia, mesmo que sentisse o desejo de dividir a vida com alguém. Assim ía levando a vida, envolvido com suas tarefas, subindo o morrinho quase todos os dias. E adorava aquele festival de estrelas sobre a sua cabeça. E pensava que no mundo existem tantas estrelas assim como existem muitas pessoas. Com certeza, quando se tornasse mais confiante, poderia conhecer uma garota que tivesse afinidade com ele, poderiam namorar, se conhecer bem, fazer uma vida juntos. Ele tinha tudo o que era preciso para viver bem, só faltava o amor. Um amor que haveria de ser muito especial, para cicatrizar feridas deixadas por um antigo amor.

Quando se perde um amor, fica um vazio no peito, fica uma dor que lateja, fica uma angústia que não dá paz. É preciso ter muita força para suportar, é preciso ter muita fé para superar. E tem que se dar tempo ao tempo, porque é o tempo que ameniza a dor, é o tempo que faz com que se apaguem as lembranças ruins, é o tempo que permite que a gente se renove e acredite na possibilidade de uma nova história. Pensando assim, sabendo dessas coisas, Paulo foi vivendo sua vida, repetindo sua rotina e procurando preservar seus prazeres, apesar de tudo.

Um dia, quando chegava no morrinho, encontrou uma menina, que estava lá fazendo exatamente a mesma coisa que ele sempre fazia. Se apresentaram. Ela se chamava Ana. Conversaram sobre as estrelas e sobre o som do mar, que naquela noite estava brilhante, por causa da lua cheia. Desceram juntos e a partir desse dia se encontraram sempre no morrinho. E a cada dia foram se conhecendo um pouco mais, conversando sobre um e sobre o outro, se entendendo, se afeiçoando, e falando sobre coisas diversas, os interesses de cada um. E falaram sobre a praia, sobre golfinhos e outros animais, sobre ervas e plantas, sobre crianças, sobre música e dança, sobre lugares variados no planeta Terra e sobre outros planetas, sobre muitas coisas, enfim. Ficaram tão amigos e sentiam tanto carinho, um pelo outro, que num determinado dia desceram o morrinho de mãos dadas. Começaram a namorar. E nos dias que se seguiram, conversaram um pouco menos, quando estavam no morrinho, apenas olhavam pro céu e falavam através dos corpos que se buscavam e se encontravam.

Estão se amando. E estão felizes. Paulo já falou para Ana sua história com Lídia. Ana não tem nenhuma história forte assim para contar para Paulo. Não podem prever o futuro, mas querem cuidar bem desse namoro pra que ele prossiga e evolua. Que o amor que nasce aos poucos, pequeninho, vá crescendo e se tornando cada vez maior. Que o amor de dois possa, quem sabe, se tornar um amor de três, com um filhote pra selar o amor. Que o amor seja regado a cada dia, para que possa viver saudável e belo. E que seja tão forte a ponto de transcender perdas.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Começo, meio e fim - Uma vida

Uma vida

A vida é bela! Mas a vida também é dura. A vida é assim, cheia de diversidades. E o importante é perceber que, em meio a alegrias e dores, a vida é preciosa e única. Por isso a vida de cada pessoa é tão valiosa, pela singularidade. E uma vida é tão rica que pode conter muitos estilos. Quero dizer que ao longo de uma vida pode-se viver de diferentes maneiras, de acordo com as circunstâncias. Sou muito grata por tudo que já vivi em minha vida, até mesmo minha doença, que me fez parar com tudo, mas que depois, com tratamento, medicação, psicoterapia e acompanhamento terapêutico, tem me proporcionado um recomeço para uma nova vida. Uma nova vida embasada nas minhas vivências passadas, mas considerando as transformações que a doença me causou. Mudança de ritmo, restrições. E estou assim, me recompondo aos poucos, lidando com a realidade do jeito que posso, tentando cada vez mais me entrosar com o social. E valorizo os contatos. Estou convencida de que não sou ninguém sem o outro. Minha relação com meu filho, com meus familiares, com amigos, mesmo que, na maior parte das vezes, virtualmente, minha relação com meus terapeutas, é o que tem me permitido voltar à vida, sair da doença. E a vida, assim como um dia, assim como um surto, assim como uma depressão, também tem começo, meio e fim. Começa com o nascimento e segue com o desenvolvimento de muitas potencialidades. Termina com a morte. Mas enquanto não se morre tem que se viver. "Enquanto há vida, há esperança". Minha doença me matou, em parte, foi uma catástrofe. Mas eu não morri. Sobrevivi. E passei por um renascimento, um recomeço. Agora tenho que seguir em desenvolvimento dos potenciais que ainda tenho comigo. E procurar sentir prazer no que faço, ter calma, conviver numa boa. Tenho feito isso. E, assim, tenho melhorado. Só não posso assegurar até onde vou chegar, o quanto serei capaz de realizar, mas estou empenhada e perseverando. Segue o baile. Pra mim, agora, a vida é isso, seguir em frente.

Começo, meio e fim - Uma depressão

Uma depressão

É a morte em vida. Ausência de libido. Inércia. Estagnação. Paralisação. É claro que existem diferentes intensidades de depressão, mas conheci essa depressão profunda, que abate, que deixa a gente incapaz para quase tudo. Dias e dias, que se tornam meses e meses, e até anos, apagada pra vida, na cama, levantando só pra o que era imprescindível e, mesmo assim, a muito custo. Na depressão o tempo desaparece, o tempo todo tudo é igual, sem graça. Uma falta de habilidade pra viver. Dificuldade até para conversar, para conviver. O supra-sumo do desânimo. Uma sensação de estar no fundo do poço, de não ter saída, de a vida ter acabado. Uma lentidão para se mexer e falar. Até para pensar. Uma escassez de prazer. Vontade de ter vontades, sem saber de onde tirar, sem saber onde encontrar. Na verdade, uma falta de vontade. Como se estivesse hibernando e a vida acontecendo fora da gente. Porque a vida da gente fica muito pequena, restrita. É como se tudo que a gente viveu, a vida inteira, desaparecesse, a gente se sente um nada. E há um constrangimento por estar nessa situação, querer sair e não ter como. Mas nessa situação, me agarrava a pequenos prazeres, no sabor de um alimento, na companhia de algumas pessoas, numa troca de e-mail, num breve texto que eu conseguisse escrever, nas consultas psiquiátricas, esperança de melhora, não pensava em cura, mas em melhora, e fui me segurando assim nessas coisas significativas, e fui conseguindo, aos poucos, colocar mais vida na minha vida. Assim fui deixando de sobreviver e passei a viver de novo. E percebi que assim como um surto, assim como um dia, a depressão também tem começo, meio e fim. No meu caso foi muito prolongado o período de depressão, mas ela passou. E espero que não volte.

Começo, meio e fim - Um surto

Um surto

Um surto estraga tudo. E vem de surpresa, não avisa que está chegando. Um surto faz com que o pensamento fique alterado e a mente é invadida por idéias irreais e assustadoras. Essas idéias fazem com que a gente tome atitudes inconsequentes. Nos meus surtos eu achava que existiam mensagens pra mim na tv, no rádio, nos jornais, nas revistas, no computador e nos ambientes. Achava que todos estavam contra mim, achava que tinha veneno na comida, achava que os vizinhos queriam me matar, achava que muitas pessoas faziam bruxaria e que muitos objetos meus estavam sob o efeito dessa bruxaria. Coloquei fora muita coisa. O pior é que depois, quando passa o surto, bate uma vergonha de ter pensado assim, bate um arrependimento de ter agido assim. Mas daí já é tarde, o feito, feito está. E durante o surto o tempo fica fora de tempo, fica um tempo próprio do surto, parece que tudo que existe e acontece é em função da gente, perde-se a noção do social, do real. Mas nem todos meus surtos foram com medo da morte. Tive, ao longo da minha vida, pequenos surtos, devaneios, fantasias de amor. E, assim, me apaixonei por muita gente que nunca namorei, e quando namorei foi com dificuldade e confusão. E a maior parte do tempo estive sozinha. Sempre com muita desconfiança, sempre com mania de perseguição. Um surto aniquila um dia, porque o dia passa a ser em função do surto, que é um erro, um equívoco. Vários surtos aniquilam uma vida, porque a vida se torna impossível, sem condições pra tudo que há de bom, de real, de coerente, de correto. Durante o surto, vem uma euforia, uma excitação, uma empolgação para agir, mas é um perigo, porque está tudo atravessado, não se tem certeza de nada, não se tem segurança, o que se faz é desprovido de juízo. É muito ruim. Mas um surto, assim como um dia, tem começo, meio e fim. Um surto termina, mesmo que às vezes dure vários dias e mesmo que, depois de ter terminado, possa voltar.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Começo, meio e fim

Um dia

Um dia começa de manhã e pode começar cedo. Ou não. Quando o dia começa se tem o dia inteiro pela frente. E muita coisa pode acontecer num dia. Pode-se estudar, trabalhar, cuidar da casa, cuidar de filhos. Pode-se fazer exercícios variados, levar o cão pra passear, encontrar amigos, namorar. Pode-se ir ao cinema, caminhar, nadar, andar de bicicleta, curtir o parque, tirar fotografias, ler, escrever e ouvir música. Sem falar nas funções de sobrevivência e manutenção. A gente respira, se alimenta, faz xixi e cocô, toma banho, corta as unhas e escova os dentes, e dorme quando o dia chega ao fim. Mas antes do dia terminar pode-se fazer algum programa, assistir um show musical, ir dançar numa festa, ouvir uma palestra. Um dia também pode ser dedicado a um passeio fora da cidade, ou uma viagem, que começa num dia e se prolonga por outros dias. E se pode ir ver o mar, tomar banho de mar, ou se pode ir ao campo, à serra. Enfim, são muitas as atividades que podem preencher um dia e torná-lo rico e significativo. Compete a nós colocar vida em nossos dias e viver a vida assim, dia após dia, um dia de cada vez, considerando toda essa gama de opções e deveres. Que se viva com intensidade, com verdade, com prazer em cada dia, cada dia de um jeito, com lugar para mudanças, para surpresas, para novidades. Mas alguns dias são ruins, difíceis. Em alguns dias parece que tudo dá errado. Em alguns dias acontecem coisas graves, dramáticas, como doenças, mortes, violências, acidentes, tristezas. Nestes dias precisamos ser fortes para suportar, precisamos ter em mente que o mal-estar vai passar. E seja como for o dia, ele tem começo, meio e fim. Todo dia começa oferecendo oportunidades, continua dando desenvolvimento ao que estamos vivendo, e termina com nosso repouso para nos refazermos e nos prepararmos para o próximo dia, um novo dia. É esse o ciclo.

Blog

Meu blog acaba de nascer. Graças à ajuda do meu psicólogo, Marcelo Lubisco Leães. Obrigado, Marcelo. O nome do blog é Escritos porque vou postar escritos diversos. Vou falar de mim, colocar contos e textos. Vou fazer o que sempre fiz e adoro fazer: escrever, só que pela primeira vez num blog. Acho que vou gostar. Já estou gostando.