quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Paulo

Paulo era um cara muito numa boa. Curtia a vida com sabedoria. Tinha seus amigos do peito, administrava bem seu restaurante e morava confortavelmente em sua casa, na beira da praia. Gostava de tomar banho de mar quando tinha horas de folga e o tempo estava favorável. Também gostava de se reunir com seus amigos para escutarem música ou tocarem eles próprios. Paulo tocava violão. E tocava bem. Mas o que Paulo mais gostava de fazer era subir no morrinho, ao anoitecer, e sentar-se para ficar escutando o som do mar enquanto contemplava o céu. Como a praia era pequena, o céu geralmente estava limpo e repleto de estrelas. Paulo dizia que eram incontáveis, infinitas estrelas, e se sentia pequeno diante dessas belezas do universo. Pensar assim era reconfortante e fazia com que ele valorizasse cada pequeno detalhe de sua vida. Ele sabia identificar algumas estrelas, alguns planetas e constelações. E brincava de ver desenhos nas estrelas. Até que, lá pelas tantas, lembrava de Lídia e batia uma tristeza. Na verdade, desde quando ele começava a se encaminhar para o morrinho, já sabia que levava Lídia com ele, na memória. Ela estava sempre presente, por mais que ele tentasse esquecer. E tudo o que ele fazia, já tinha sido feito junto com ela, no passado.

Paulo e Lídia eram casados e viviam juntos e muito bem. Se gostavam muito e compartilhavam tudo, a casa na beira da praia, o trabalho no restaurante, os banhos de mar, as rodas de som, as idas ao morrinho para escutar o mar e olhar o céu. Eram felizes e usufruiam de harmonia em suas vidas. Até o dia em que Lídia conheceu um cliente, um turista, e foi conquistada pelo seu olhar. O cliente foi lá um dia, mais outro e mais outro, e Lídia acabou saindo com ele. Sairam, se conheceram, ficaram muito atraídos um pelo outro, e Lidia decidiu terminar com Paulo para ficar livre e partir com seu turista. Foi assim que a relação de Paulo e Lídia acabou. Ela foi embora com o novo namorado e ele ficou sozinho, abandonado. Paulo sofria e sentia falta de Lídia.

Os amigos faziam de tudo para contemporizar a tristeza de Paulo e o estimulavam a se desapegar do passado e abrir o coração para um novo amor. Mas Paulo se sentia inseguro, tinha medo de se entregar a um novo amor e passar novamente pela experiência ruim de ser trocado por outro, de ser abandonado. Preferia ficar sozinho, tocando sua vida na paz, sem correr riscos. Mesmo que admitisse sentir falta de companhia, mesmo que sentisse o desejo de dividir a vida com alguém. Assim ía levando a vida, envolvido com suas tarefas, subindo o morrinho quase todos os dias. E adorava aquele festival de estrelas sobre a sua cabeça. E pensava que no mundo existem tantas estrelas assim como existem muitas pessoas. Com certeza, quando se tornasse mais confiante, poderia conhecer uma garota que tivesse afinidade com ele, poderiam namorar, se conhecer bem, fazer uma vida juntos. Ele tinha tudo o que era preciso para viver bem, só faltava o amor. Um amor que haveria de ser muito especial, para cicatrizar feridas deixadas por um antigo amor.

Quando se perde um amor, fica um vazio no peito, fica uma dor que lateja, fica uma angústia que não dá paz. É preciso ter muita força para suportar, é preciso ter muita fé para superar. E tem que se dar tempo ao tempo, porque é o tempo que ameniza a dor, é o tempo que faz com que se apaguem as lembranças ruins, é o tempo que permite que a gente se renove e acredite na possibilidade de uma nova história. Pensando assim, sabendo dessas coisas, Paulo foi vivendo sua vida, repetindo sua rotina e procurando preservar seus prazeres, apesar de tudo.

Um dia, quando chegava no morrinho, encontrou uma menina, que estava lá fazendo exatamente a mesma coisa que ele sempre fazia. Se apresentaram. Ela se chamava Ana. Conversaram sobre as estrelas e sobre o som do mar, que naquela noite estava brilhante, por causa da lua cheia. Desceram juntos e a partir desse dia se encontraram sempre no morrinho. E a cada dia foram se conhecendo um pouco mais, conversando sobre um e sobre o outro, se entendendo, se afeiçoando, e falando sobre coisas diversas, os interesses de cada um. E falaram sobre a praia, sobre golfinhos e outros animais, sobre ervas e plantas, sobre crianças, sobre música e dança, sobre lugares variados no planeta Terra e sobre outros planetas, sobre muitas coisas, enfim. Ficaram tão amigos e sentiam tanto carinho, um pelo outro, que num determinado dia desceram o morrinho de mãos dadas. Começaram a namorar. E nos dias que se seguiram, conversaram um pouco menos, quando estavam no morrinho, apenas olhavam pro céu e falavam através dos corpos que se buscavam e se encontravam.

Estão se amando. E estão felizes. Paulo já falou para Ana sua história com Lídia. Ana não tem nenhuma história forte assim para contar para Paulo. Não podem prever o futuro, mas querem cuidar bem desse namoro pra que ele prossiga e evolua. Que o amor que nasce aos poucos, pequeninho, vá crescendo e se tornando cada vez maior. Que o amor de dois possa, quem sabe, se tornar um amor de três, com um filhote pra selar o amor. Que o amor seja regado a cada dia, para que possa viver saudável e belo. E que seja tão forte a ponto de transcender perdas.

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